O décimo e último episódio de Xógum: A Gloriosa Saga do Japão estreou nesta semana nos serviços de streaming Disney+ e Star+. Original do FX, essa série traz um drama histórico que mistura política, ação e aventura no estilo Game of Thrones – mas ambientada no Japão feudal do século 17.
Os dez capítulos da saga fizeram sucesso e agradaram a crítica por seu enredo, atuações e ambientação histórica fidedigna – mas a série não deverá ser renovada. Isso porque a história que os criadores quiseram contar já foi concluída, como explicamos em detalhes aqui.
Ao longo da temporada, acompanhamos dois protagonistas: Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada), um poderoso senhor feudal no Japão que se vê em apuros quando seus inimigos começam a tramar para derrubá-lo, e John Blackthorne (Cosmo Jarvis), um piloto inglês que acaba acidentalmente no Japão e tem que se virar para não morrer.
Unindo essas duas tramas está Toda Mariko (Anna Sawai), uma japonesa católica que atua como tradutora e esconde um segredo do seu passado. A história se passa no ano de 1600 e retrata o período político conturbado do país na época, quando uma guerra civil estava prestes a eclodir.
Xógum é a adaptação do best-seller de mesmo nome publicado em 1975 pelo anglo-britânico James Clavell. O livro de ficção foi um sucesso de vendas e já tinha sido adaptado para a televisão em 1980 pela rede americana NBC, estrelando nomes como Toshirō Mifune e Richard Chamberlain – a minissérie disparou em audiência e acumulou prêmios importantes.
Mas, afinal, o que é real e o que é ficção nesse enredo?
Xógum é inspirado em fatos reais?
Direto ao ponto: tanto o livro como a série contam uma história fictícia, e não tentam retratar fielmente os acontecimentos da história japonesa. Mas a trama se inspira (e muito) em eventos e personagens reais do Japão feudal.
A série começa no ano de 1600, logo após a morte do Taikō, o líder militar de todo o país. Isso é fato: na vida real, Toyotomi Hideyoshi foi um grande lorde feudal que completou a unificação do país e morreu em 1598. Logo antes dele, o poderoso lorde Oda Nobunaga tinha quase conseguido reunificar a ilha num só regime, mas morreu quando estava quase atingindo o objetivo; Hideyoshi terminou essa complicada empreitada.
Isso corre no fimzinho do chamado período Sengoku, ou “Período dos Estados Beligerantes”, uma longa e conturbada era do Japão feudal em que diferentes lordes viviam em guerra civil para definir o controle do país. Quando o Taikō unificou todos num único regime, então, parecia que seria o fim desse tempo de conflitos. Ledo engano.
Com a morte do Taikō, cinco poderosos lordes foram apontados como regentes até que seu filho, que era criança, atingisse a maioridade. Neste grupo estava Tokugawa Ieyasu, o mais poderoso e respeitado dos cinco regentes, e Ishida Mitsunari, seu maior rival. Em pouco tempo, o grupo de lordes que deveria governar juntos rachou em facções beligerantes e começou-se, novamente, uma guerra civil pelo controle do Japão.
A série praticamente copia essa história, mas troca o nome dos personagens: Tokugawa Ieyasu virou Yoshii Toranaga, interpretado por Hiroyuki Sanada. Já o seu rival Ishida é chamado na série de… Ishido. Pois é, nada sutil.
(Se você não viu a série, é melhor parar por aqui: contar a história do que aconteceu na vida real pode ser considerado um spoiler para quem quer se surpreender com a ficção.)
No mundo real, o conflito escalou e culminou na batalha de Sekigahara, uma das maiores e mais importantes da história do Japão. Tokugawa Ieyasu saiu vitorioso e, assim, se tornou o governante de todo o país asiático, fundando sua própria dinastia: o xogunato Tokugawa. Era o fim do período Sengoku, sem mais guerras civis.
Essa dinastia militar durou um longo tempo: os xoguns Tokugawas ficaram no poder de 1603 até 1868, quando veio a Restauração Meiji. Todo esse intervalo de tempo ficou conhecido como período Edo, já que o governo era baseado na cidade de Edo (atual Tóquio). Essa era da história japonesa ficou marcada por uma relativa paz e um isolacionismo em relação ao resto do mundo.
“Xógum”, então, conta a história do início desse xogunato, usando outros nomes. O que chama atenção na série é que os criadores, apesar de serem americanos, tiveram bastante cuidado para consultar especialistas e historiadores japoneses para garantir que tudo estivesse o mais fiel possível à realidade – a dupla contou tudo isso nesta entrevista à Super. Neste ponto, então, a ficção se aproxima sim da realidade.
O marinheiro John Blackthorne
Assim como o lorde Yoshii Toranaga, o outro protagonista também é altamente inspirado numa figura histórica de outro nome: William Adams. Como a série mostra, ele era um inglês que acabou chegando por acidente às praias japonesas num barco holanêds cheio de pólvora, canhões e armas.
Adams foi de fato o primeiro britânico a pisar no Japão, e sua história é parecida com a retratada na série. Ele também falava português fluente, e por isso conseguia se comunicar com os japoneses por meio dos jesuítas portugueses que atuavam como tradutores. Assim como na obra televisiva, ele teve encontros com o lorde Tokugawa, que se mostrou interessado em aprender sobre sua cultura, sobre seu país e, principalmente, sobre suas armas.
Apesar disso, aqui entra um pouco de exagero da série. William Adams não foi uma figura tão central na guerra civil japonesa daquela época como é retratado na trama; só temos registros de poucas reuniões entre ele e o lorde Tokugawa.
E, principalmente, toda sua novela com a personagem Toda Mariko é inventada. A tradutora também é inspirada numa pessoal real – no caso, a nobre Hosokawa Gracia, que de fato era católica e desempenhou um papel importante na trama política do Japão daquela época. Até onde se saiba, porém, ela nem chegou a conhecer o viajante inglês.
Portugueses no Japão?
Outro ponto em que a série acerta é ao retratar a presença (e a influência) de jesuítas portugueses no Japão do início do século 17.
Os portugueses foram os primeiros ocidentais a descobrir a ilha asiática, em 1543, e logo estabeleceram uma relação comercial relativamente amigável com o povo local. Os japoneses ficaram interessados especialmente nas armas de fogo dos europeus (os mosquetes).
Paralelamente, os portugueses começaram sua missão de catequizar os japoneses, introduzindo o catolicismo no país por meio de escolas, igrejas e santas casas. E foram bem sucedidos na empreitada: como a série retratada, milhares de locais, incluindo membros de famílias nobres, se converteram ao cristianismo.
Enquanto isso, tentavam manter a existência do Japão em segredo dos outros países europeus – para manter o monopólio do comércio. Como a série retrata, isso deu errado quando o marinheiro inglês acabou achando o país por acidente. Xógum também mostra bem como os ingleses (protestantes) e os portugueses (católicos) se odiavam – por serem de religiões diferentes e também de países rivais.
De qualquer forma, a lua de mel entre Portugal e Japão durou pouco. No início da era Edo, o xogunato Tokugawa começou a adotar uma postura cada vez mais isolacionista e começaram a enxergar o cristianismo como uma ameaça estrangeira que ganhava muita força. Em 1614, os missionários portugueses foram expulsos; em meados de 1630, o próprio cristianismo foi proibido e começou a perder força.
Apesar disso, ainda dá para encontrar influências do breve período português no Japão até hoje. A palavra “pão”, por exemplo, se pronuncia como “pan” na língua asiática. Também há traços na arquitetura e na culinária do país – os portugueses introduziram na ilha, por exemplo, o costume de fritar coisas sob imersão em óleo quente.
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